
Minha idéia aqui é esclarecer o tipo de ateísmo que acredito ser o “correto”, ou melhor, como vejo a questão e seus valores relacionados à emancipação de nossa espécie como humanos. Ainda que eu tente ser totalmente neutro, inegavelmente é um registro de pensamentos e como qualquer outro valor ou julgamento, acaba sendo também uma ideologia, um ponto de vista, entre tantos possíveis, então não faça um julgamento radical sobre este ser um parecer único, inquestionável e de plena razão, pois não é. O maior intuito aqui, é trazer a dúvida, a reflexão, e gerar em cada um a vontade e a capacidade de pensar e desenvolver seu próprio ponto de vista.
Diferentemente de uma religião, as idéias aqui expostas não trazem dogmas, fatos baseados em convicção e certeza, e tudo está aberto para discussão, porém jamais sem fundamentos ou com bases em discursos teológicos onde a Bíblia é aceita como verdade e milagres como fundamentos, etc.
“Um outro sinal distintivo dos teólogos é a sua incapacidade filológica. Entendo aqui por filologia (...) a arte de bem ler – de saber distinguir os fatos, sem estar a falseá-los por interpretações, sem perder, no desejo de compreender, a precaução, a paciência e a finesse”. Nietzsche em O Anticristo.
Por estarmos no ocidente, o foco principal será toda e qualquer religião cristã, até pelo fato de ser de melhor domínio (meu e provavelmente seu), mas os aspectos são válidos para qualquer crença ou religião, pagã ou não, e aspectos metafísicos serão desprezados.
Religião aqui tratará de judaísmo, cristianismo e islamismo (foco em cristianismo e superficialidade nas outras duas), lembrando que as três possuem origem no mesmo lugar geográfico e ainda, no mesmo deus.
Ateísmo é a total descrença na existência de deus, qualquer um. Pode surgir pelo simples ceticismo de um ser pensante pela incrível estrutura mística das religiões que é tão paradoxal, incompreensível ou sem fundamentos reais, ou pela simples dificuldade de ter fé.
Vale a pena lembrar o filósofo Montaigne: “Para os cristãos, encontrar algo inacreditável é uma bela ocasião para acreditar” e ainda: “Os homens tendem a acreditar, sobretudo naquilo que menos compreendem”.
Há graus de ateísmo, indo de afirmações rigorosas sobre a não existência de qualquer deus a apenas descrença simples sobre a existência de algum deus, o que pode classificar os ateus em ativos e passivos. O ateu passivo esta presente em todo aquele que é cético, somente isso. O ativo talvez possa ser aceito como uma graduação mais forte e presente de vivência da “não religiosidade”.
Pessoalmente, acho cansativo e desgastante a discussão sobre a existência ou não de um deus e, apesar de não acreditar, vejo como válido para nosso desenvolvimento compreender o tipo de máquina de manipulação que a sociedade cria utilizando deus para, através das religiões, convencer, alienar, manter sob controle e obter lucros com as pessoas e mantendo um grupo ou grupos sociais no poder.
Outro importante aspecto que escapa definitivamente de qualquer deísta é: não acreditar que algo é verdadeiro não é o mesmo que acreditar que algo é falso. Não vejo o ateísmo partilhando de dogmas como acontece com os deístas, que possuem uma certeza convicta da existência de um deus.
Claro, começa a surgir hoje um tipo de ateu que é dogmático, fenômeno que acontece em qualquer área de conhecimento humano, mas isso é condenável e limita a capacidade de desenvolvimento e apreensão da verdade.
Como qualquer outra apreciação de mundo pela razão, a compreensão daquilo que é um ateu terá o aspecto que o próprio ateu lhe dá, e também aquela compreensão que o não ateu tem e muitas vezes, ambas estão erradas. Um ateu é apenas alguém que não acredita em deus, é apenas uma pessoa, e deve ser apreciada por seus valores, principalmente os éticos, sem se considerar deus como algo que aquele que crê torna se melhor ou pior, pois aí surge a intolerância. Não posso deixar de lembrar, que a intolerância incrivelmente está presente entre pessoas deístas cristãs, onde uma acha que a religião própria é melhor que a do outro, superando o valor maior que seria o mesmo deus.
As religiões trazem um grande mal em si mesmas que é a moral. Moral não necessita de fundamentação, de lógica, de nada que a legitime, basta que exista. Uma das melhores possibilidades que temos de evoluir como seres humanos é desenvolver a ética, que compreende respeito, aquilo que pode ser bom para um só e para a sociedade, estabelecer normas reais de relacionamento social. Temos mais de 2.000 anos de cristianismo, estudos bíblicos, manipulação de textos e interpretações fantásticas, e tão pouco estudo de ética, o que poderia ter nos levado a uma situação de vida social muito melhor e com menos mortes e guerras em nome de deus.
Não há evidências da existência de deus, nada, nenhuma, tudo é uma questão de fé, que é a convicção plena de que algo é verdade, sem exigir prova, fundamento, nada, é uma confiança depositada em algo ou alguém. Qualquer um que realmente esteja lendo este artigo com um olhar crítico não pode negar que isso é um fato, ainda que possa não estar errado.
Há uma premissa interessante para se questionar a validade da existência de deus, bem, há várias, mas vamos a um exemplo questionador:
Creio que para todos é sensato pensar que nada existe até que se encontrem evidências do contrário. Teístas usam da mesma regra em grande parte do tempo. Teístas não acreditam na existência de centauros ou sereias, porém não podem provar que não existem, ainda que existam marinheiros que digam ter ouvido ou até mesmo visto sereias.
Um ateu do tipo ativo não elimina a possibilidade de existência ou a inexistência de todo e qualquer deus, mas restringe a existência de vários deuses apreciados e reverenciados por várias religiões. Talvez um dia, seja possível demonstrar que não há deus algum, mas talvez isso não venha a acontecer.
Mas, se deus cria, faz mudanças, participa da criação e desenvolvimento do universo, deveriam existir manifestações físicas do fato, ou seja, deveria ser possível realmente detectar um deus por algum princípio, mas isso só acontece pela fé, sem fundamentação ou prova, onde discursos teológicos produzem conteúdos “brizolísticos” na tentativa de legitimar a sua existência. Por outro lado, se deus se afasta da prova física e apenas existe como muitos querem acreditar, sua existência ou não se torna totalmente dispensável.
Diferentes religiões concebem deus de diferentes maneiras e da mesma forma, diferentes ateus de formas distintas.
Há inúmeros tipos de discursos teológicos buscando demonstrar a existência de deus de forma lógica. Mas a lógica neste caso se torna retórica. A lógica somente poderia ser válida se estivesse de acordo com a realidade, e quando isso não acontece, prevalece a realidade.
Diferentemente daquilo que muitos pensam, ateus não são burros, não possuem dogmas, não destroem outras culturas ou religiões (como fazem os teístas), não impõe verdades, e caso lhes seja apresentado fundamento, prova contundente, a grande maioria mudaria de opinião.
Porém, as provas das quais dispomos se limitam a experiências místicas (religiosas) de outros, e isso jamais será o suficiente. Afirmar que deus existe e provar o fato, exige algo indiscutível, universal, testável, extraordinário como a própria existência de deus e tal tipo de evidência nunca foi apresentada.
Há ateus capazes de duvidar até mesmo da existência do Universo, que são céticos para praticamente tudo, porém não há entre as pessoas de fé, algum que realmente duvide da existência de deus, o que faz com que este não busque a verdade, além da palavra escrita na bíblia.
Segundo Nietzsche: “Não posso acreditar num Deus que quer ser louvado o tempo todo”.
Pensar ou considerar que ateus são hostis à religião é relativamente incorreto. A grande maioria dos ateus é neutra, não se importa. Critica, vê as implicações que a religiosidade tem na sociedade, mas não quer “converter” ninguém ao ateísmo, isso não faz sentido. O grande problema está no contrário, pois o ateísmo é ainda visto como socialmente incompatível e inaceitável.
Claro, há historicamente situações como as da ex União Soviética, Stalin, mas aí também havia um interesse de manipulação e não uma idéia de emancipação e evolução. Os excessos cometidos pelo regime excederam qualquer coisa que Marx tenha dito ou idealizado a respeito e sequer politicamente foram fiéis a seus ideais.
Entre as influências religiosas importantes e danosas, está sua força na política, que mesmo em Estados ditos laicos, se impõe e com sua força traz normas, leis e uma moral não ética que toda a sociedade deve engolir.
Somos todos humanos, e por isso, seres sociais e comunais. Um ateu não se torna anti social pela falta da crença em um deus e por outro lado, se uma pessoa precisa de um deus para ser social e seguir certos valores, ela é perigosa, pois se por alguma razão ela perder esta fé, nada restará.
"O homem procura um princípio em nome do qual possa desprezar o homem. Inventa outro mundo para poder caluniar e sujar este; de fato só capta o nada e faz desse nada um Deus, uma verdade, chamados a julgar e condenar esta existência." Nietzsche
Apesar de eu não gosta da palavra, há mais ateus morais que religiosos morais. A questão está focada na hipocrisia e falta de liberdade que aquele que possuí uma fé e uma religião traz consigo. Culpa é uma das maiores seqüelas. Ainda que algo seja socialmente imoral, pode não ser em um determinado grupo, e sem a culpa religiosa é mais fácil ser feliz.
Há ateus “leves” que gostariam que deus existisse, o que nada prova. O fato de cinco bilhões de pessoas acreditarem em algo não torna isso uma verdade.
É curioso notar, que a grande maioria dos ateus já acreditou em deus de alguma forma, porém entre os teístas isso não é uma verdade, o que não lhes mostra que acreditar ou não nada muda a vida e os eventos, ou a responsabilidade que devemos ter socialmente.
Para uma discussão possível e saudável com um ateu é necessário ter um espírito livre e a mente aberta, não vivendo somente do senso comum, ou seja, abrir os olhos para a possibilidade da não existência de deus, e creio que este é o maior objetivo deste artigo.
Para muitas pessoas religiosas, a fundamentação que valida a fé está no futuro, na “pós vida”, na ressurreição em deus e tantas outras coisas semelhantes.
“É cristão todo o ódio contra o intelecto, o orgulho, a coragem, a liberdade, a libertinagem intelectual; o ódio aos sentidos, à alegria dos sentidos, à alegria em geral, é cristão...”
Tem se a errada impressão de que sem uma divindade, um deus, a vida fica desprovida de sentido. Isso não é real; temos objetivos, que no final são os mesmos sem a tal divindade. Todos querem a felicidade, deixar uma colaboração relevante no mundo, etc. A vida possui um grande sentido em si mesma, pois a vida existe e é única, o que a faz mais especial para um ateu, pois é a única.
Não há sentido em acreditar em algo por medo da realidade, em procurar conforto em mitos.
As religiões, além do desrespeito e da intolerância em suas imposições, prejudicam a liberdade de outros sejam estes de outras religiões ou ateus. Preservativos, abortos, aids, tudo é considerado a partir somente da ótica da religião dominante. Sem mencionar a intolerância em relacionamentos e de tantos outros tipos.
Além da difícil comprovação dos fatos bíblicos (não falo dos históricos), mas dos “sentimentais”, as religiões vem transformando a interpretação, os textos, reciclando tudo segundo suas próprias necessidades, inclusive a partir de outras religiões mais antigas e pagãs.
Resumindo:
Estamos em um momento histórico onde o egocentrismo predomina e as religiões não parecem estar trazendo alguma resposta valorosa para um comportamento mais solidário, e ainda colaboram para um maior afastamento das pessoas.
Falta ética no mundo, e as religiões trazem apenas uma moral hipócrita trazendo uma transformação ou melhora quase imperceptíveis, ainda que mantenham um controle social, pois fazer com a que as religiões sumissem de vez (se fosse possível), seria um erro e provavelmente traria problemas sociais sérios.
É importante que sejamos existencialistas e responsáveis, pois as coisas mudam quando mudamos a nós mesmos, sem esperar que “uma força externa” faça o nosso trabalho.
Acreditar por acreditar é senso comum, e isso não pode ser bom. Não acredite simplesmente por achar que seria melhor se assim fosse e considere que toda e qualquer crença é senso comum e deve estar aberta a questionamentos.
Tadziu