domingo, 7 de junho de 2009

SOBRE O PODER




O ex-chanceler britânico, quando questionado na televisão se gostaria ser o primeiro ministro, respondeu com certo espanto: ”qualquer um gostaria de ser o primeiro ministro”. Dessa vez eu fiquei surpreso, pois não acredito que todo mundo gostaria de ser o primeiro ministro; há muitas pessoas que sequer sonham com tal cargo – não somente por não terem a chance, mas por se tratar de um “elefante branco”*, mas porque achariam esse trabalho terrível: muita dor de cabeça, o peso da responsabilidade, antecipadamente se sabe que a pessoa estaria ininterruptamente exposta a ataques, ridicularizações, acusada das piores intenções, etc.
Então é ou não é verdade que “todo mundo quer poder?” Isso depende de como iremos estender o sentido desta palavra. No sentido mais amplo de “poder” consideramos tudo aquilo que nos permite influenciar o ambiente – natural ou humano – na direção desejada. Uma pequena criança que pela primeira vez levanta ou consegue andar está ganhando um certo âmbito de poder sobre o próprio corpo e percebemos que ela se alegra com isso; com certeza possivelmente todos gostariam de ter mais do que menos poder sobre as funções do corpo que podem ser controladas, como os músculos e as articulações. Quando aprendemos uma língua estrangeira, xadrez, natação, ou matemática, é nos possível dizer que adquirimos capacidades, graças às quais dominamos certo âmbito da cultura.
A definição tão ampla de poder é possível, por isso apareceram teorias de acordo com as quais tudo nas realizações humanas é submetido ao desejo de poder; todas nossas motivações originam-se na aspiração ao poder em suas mais variadas formas; tudo que intentamos – na verdade intentamos pelo poder, isso é a fonte de energia da vida humana. As pessoas desejam riquezas, pois a riqueza lhe dá poder tanto sobre as coisas, como até certo nível – às vezes considerável - sobre outras pessoas. Até o sexo pode ser explicado nas categorias de poder – se isso é pelo fato de nos parecer que possuímos o corpo da outra pessoa e deste modo à própria pessoa, ou se o possuindo excluímos os outros da sua posse e através dessa exclusão ou privação dos outros alcançamos a satisfação do monarca. O sexo é obviamente a criação da natureza pré-humana, mas toda a natureza (de acordo com essas teorias) está marcada com a mesma ambição, que nos humanos obtém outros aspectos formados pela cultura, porém na origem é a mesma coisa. Até mesmo os comportamentos altruístas, com certo esforço podem ser explicados da seguinte maneira: se fizermos bem para outras pessoas, é para controlar a vida deles, ou seja, conseguir poder parcial sobre eles, mesmo não estando conscientes desta motivação implícita. Então tudo na vida é uma busca pelo poder e nada mais existe, o resto é auto-ilusão.
Teorias como essas, com objetivo desmascarador, têm um aspecto confiável, mas explicam muito pouco. Cada teoria que explica todos os comportamentos humanos com um tipo de motivos ou toda vida da sociedade com uma espécie de energia geradora pode ser defendida, mas isso mostra que todas elas são inúteis e no final são construções filosóficas.
Isso nos esclarece algo, pois se dissermos, por exemplo, que se um homem dedica-se ao o próximo, ou se o tortura, suas motivações continuam as mesmas, então não há definições ideais, com a ajuda das quais possamos julgar essas coisas ou até distingui-las do ponto de vista de seu acontecimento, pois sempre se trata do mesmo (a teoria serve, porém para aqueles que tenham vontade de dizer com prazer: não tenho motivos para ter a consciência pesada graças às minhas maldades, pois todos são iguais). Uma tentação mental semelhante descobrimos nos cursos do pensamento cristão – hoje raros, antigamente potentes – de acordo com os quais, sempre fazemos o mal, caso nos falte a inspiração de divina, e quando a temos, por necessidade fazemos bem. Disso resulta também que quando não temos essa inspiração, tanto faz se ajudamos os próximos ou os torturamos, iremos para o inferno, como foram todos os pagãos, mesmo os mais nobres. Nessas teorias procura-se sempre uma chave mestra que abre todas as portas, explicando tudo. Mas não existe uma chave dessas, a cultura cresce através da diversificação, pela criação de novas necessidades e independência das antigas.


Se a teoria segundo a qual nada há dentro de nós, além do desejo de poder é inocente e pouco explica, contudo ninguém vai negar que o poder é um bem extremamente desejado. Na maioria das vezes quando falamos de poder, temos em mente um sentido mais estreito que esse, ou seja, poder que consta em disposição dos recursos que nos ajudam a influenciar – com violência ou ameaça de violência – o comportamento das pessoas e controlar esse comportamento de acordo com as intenções do monarca (unitário ou agregado). O poder neste sentido pressupõe a presença de ferramentas organizadas de coerção, e no mundo contemporâneo – a presença do estado.
Será que cada um de nós deseja o poder neste sentido? Certamente todos gostariam, que os outros se comportassem de acordo com o seu parecer, ou seja: ou de acordo com o seu sentido de justiça, ou de uma maneira mais proveitosa para ele. Porém isso não significa que todos gostariam de ser o rei. Como diz Pascal, somente o rei privado do trono é infeliz, pelo fato de não ser o rei.
Apesar disso é sabido, que ter o poder, muitas vezes – ainda que não sem exceções – corrompe as pessoas, porque as pessoas que por muito tempo gozaram de certo considerável nível de poder têm no final a sensação, de ter o direito ao poder pela força de uma ordem natural, do mesmo modo que o poder dos antigos monarcas deveria ser de origem divina, e se por alguma razão o perdem, consideram isso uma catástrofe cósmica, pois a luta pelo poder é a principal causa das guerras e de todos os males do mundo, apareceram utopias anárquicas infantis, que inventaram para tudo isso um remédio de salvação: eliminar o poder em geral. Mais que isso, as utopias dessas estão divulgadas às vezes pelos pensadores que atribuem ao poder o sentido mais amplo possível, dizendo, por exemplo, que o poder dos pais sobre os filhos é por natureza uma terrível tirania: com efeito, pareceria até que quando os pais ensinam os filhos a língua materna, estão executando uma violência tirânica, tirando delas a liberdade e que melhor seria deixá-los em estado animal, para que inventassem o próprio idioma, costumes e toda a cultura. Mas o anarquismo menos absurdo tem na mente a eliminação do poder político: vamos suprimir todos os governos, as administrações e tribunais, e o povo vai gozar de nata fraternidade.
Por sorte não há como fazer uma revolução anárquica por encomenda: a anarquia aparece quando por quaisquer razões todos os órgãos do poder se destroem e ninguém está no controle da situação; o resultado tem que ser, o de uma força, que quer o poder indivisível para si – e sempre existem aqueles – que irão se aproveitar da confusão geral e desmoralização, impondo a própria ordem despótica; o mais espetacular exemplo disso foi a revolução russa – a instituição do despótico governo bolchevique graças a uma geral anarquia social. O anarquismo está praticamente a serviços da tirania.
Não, o poder não pode ser eliminado, pode-se somente substituir o melhor pelo pior, ou às vezes o contrário. Infelizmente não é assim, a eliminação do poder político não tornará todos irmãos; como os interesses das pessoas estão em conflito por natureza e não por acaso, como é inegável, trazemos em nós uma certa dose de agressividade, como as nossas necessidades e caprichos que podem crescer infinitivamente – então se as instituições de poder político por milagre desaparecessem, o resultado seria não a fraternidade geral, mas sim, um massacre geral.
Nunca houve e nunca haverá “o poder do povo”: isto é tecnicamente impossível. Podem apenas existir vários instrumentos, com ajuda dos quais o povo fica acima do poder e está em condição de trocá-lo por outro. Claro, quando o poder já se encontra no lugar estamos sujeitos às várias limitações e em muitos assuntos importantes não temos escolha; não temos escolha sobre mandar ou não os nossos filhos para a escola, pagar ou não pagar os impostos, passar ou não passar no exame para obter a carteira de habilitação (se quisermos conduzir), e isso se aplica a milhares de outros assuntos.
O controle do povo sobre o poder não acontece também sem erros, o poder democraticamente escolhido também é sujeito à corrupção, as suas decisões freqüentemente estão em conflito com os desejos da maioria, satisfazer a todos nenhum poder consegue, e assim por diante. Essas são coisas banais, conhecidas por todos. Os instrumentos do controle do povo sobre o poder nunca são perfeitos, mas a coisa mais eficaz que a humanidade inventou, para evitar a tirania arbitrária foi exatamente: consolidar os instrumentos de supervisão social sobre o poder e limitar o âmbito do poder estatal até o mais indispensável, para manter a ordem social. A regulação de tudo o que as pessoas fazem nada mais é que o poder totalitarista.
Poderíamos então – e deveríamos – tratar os órgãos de poder político com suspeita, checar o mais possível e caso necessário reclamar deles (e quase sempre é necessário), mas não deveríamos reclamar da própria existência do poder, da própria presença dele, a não ser que inventemos outro mundo, o que já foi a tentativa de vários, porém sem sucesso.

Baseado nas idéias de Leszek Kołakowski, filósofo e historiador polonês, muito conhecido por suas críticas ao marxismo.

Tadziu

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