terça-feira, 9 de junho de 2009

METADE DA LARANJA




Há pessoas que tentam medir a dor de um final de relação. A dor, como qualquer outro tipo de sentimento, é pessoal, individual e intransferível e é um luto para qualquer uma das partes, mas pode e deve ser superada com dignidade. Não existe situação onde o outro fique feliz, a menos que tenha sido vivida uma grande mentira, o que acontece e não deve ser desprezado como possibilidade.

Há momentos e situações onde o término é inevitável e até desejável, mesmo quando ainda existe algum tipo de sentimento bom. Apenas bons sentimentos, mesmo se tratando de amor, não são suficientes para manter uma relação. Relações se desgastam, erros são cometidos, surge a falta de cuidado, o desprazer e tudo acaba morrendo, às vezes com algo que culmina e decide as coisas e outras vezes pelo próprio desgaste, enfim, há relações que realmente não devem ser mantidas e se faz necessário decidir o momento do fim.

De forma bem generalizada, o amor termina aos poucos e os melhores sinais da degeneração estão no afastamento progressivo, distância, falta de diálogo e respeito.

O rompimento acontece por uma sucessão de fatos e atitudes somados e também da falta de atitude para que as coisas mudem e retomem um bom rumo, e ainda, com uma gota d’água que faz com que o copo transborde eliminando toda e qualquer chance de continuidade, então o fim se instala e deve ser aceito por ambos.

Existe quase sempre uma idealização sobre o outro ser perfeito, ou a criação de expectativas que geralmente acabam sendo transformadas em grandes frustrações. As decepções repetidas geram um grande esfriamento emocional, e da mesma forma a falta de respeito.

Há casais que temem desagradar o outro, outros mantém posturas tão firmes, que não se importam com desagradar e ambas as medidas estão erradas. Daí, muitos términos vem acompanhados de revolta e ódio, mágoa e intolerância. O excesso de medo em desagradar gera posteriormente cobranças e a falta de agrado e mágoa, e quando ambas as situações ocorrem, temos uma situação insustentável de convivência, às vezes gerando a sensação de que o planeta todo é pequeno demais.

De maneira bem existencialista podemos e devemos considerar que ninguém é responsável por seus sentimentos ou por sua dor. Ainda que o erro seja do outro, ele nunca é totalmente responsável por sua felicidade ou por sua dor, pois você teve opções, e se não notou algo realmente relevante, o problema é exclusivamente seu.

Quando há um rompimento de uma relação de amor, mesmo os sentimentos mais contraditórios e paradoxais devem ser respeitados. O abandono não deve compreender sentimentos mesquinhos e o orgulho é um grande atraso de vida.

Há duas situações comuns em casos de fim de relacionamento: uma é culpar o outro e a outra sentir culpa. A primeira é sinal de imaturidade e a segunda de falta de auto estima.

O respeito que faltou em um primeiro momento pode ser demonstrado com a aceitação e respeito pelas posturas do outro. Todo e qualquer ataque indireto, provocação, ações de invasão e tantos outros atos possíveis, constituem mágoa existente, e falta de respeito.

Poucas são as coisas definitivas. Sofrimento e felicidade não estão entre elas. Arrastar um relacionamento ruim é penoso e tentar transformar isso em definitivo é masoquismo, é mentir e viver uma mentira.

Há pessoas que tentam sufocar a dor da perda com um amor novo. Pode ser que isso seja inconscientemente inevitável, e pode ser que realmente uma nova boa relação surja, mas o perigo reside no fato da nova relação poder estar apenas ligada a uma carência, o que é perigoso e poderá trazer de volta à tona vícios de um relacionamento anterior.

O término de um relacionamento deve ser visto como libertação e chance de uma boa vida. Não são poucas as situações onde o término deve ser visto realmente como se livrar do outro, e idéias de amizade após a relação são apenas hipocrisias fantasiosas.


Na atualidade vivemos grandes novas mudanças que vão desde a tecnologia e atingem é claro o tipo de relações afetivas que vivemos. Há muitas lendas, mitos sobre parceiro ideal e parece estar difícil compreender como pode acontecer uma relação afetiva “ideal” nos tempos modernos.

Vivemos em um momento de egocentrismo inegável onde a individualidade deve ser respeitada, e o respeito não é necessário somente para a individualidade, mas em toda a relação. O importante é ser bom estar junto, sem dependência de espécie alguma e com grande responsabilidade pelo próprio bem estar e pelo bem estar do outro. Não pode mais haver a responsabilidade do outro pelo seu bem estar.

Aquela história de “metade da laranja”, “tampa da panela” e outras do gênero perdem o sentido a cada dia e em breve irão desaparecer, então se faz necessário aprender a lidar com um novo conceito de valores para relacionamentos. A premissa de sermos a metade necessitando encontrar a outra metade que nos complementa torna se cada vez mais um conto de fadas irreal, assim como a história de opostos se atraindo para complementação.

O que procuramos hoje está mais relacionado à parceria onde um tipo de amor mais antigo, o da necessidade, começa a ser substituído pelo amor de desejo, onde devemos querer, gostar e desejar a companhia, porém não precisar dela, e existe aí uma diferença muito grande.

O medo de viver só está desaparecendo, para não dizer que muitas vezes esta solidão é necessária. Segundo Nietzsche: “Odeio quem me rouba a solidão sem, em troca, me oferecer, verdadeiramente companhia”. E esta solidão, preenchida por muito pouco começa hoje a ser extirpada das necessidades humanas e todos estão aprendendo a se compreender e viver bem sozinhas. As pessoas estão se tornando inteiras e não mais frações e o outro precisa ser um bom companheiro para todas as situações, porém precisa também ser inteiro.

Não se trata aqui de um caráter egoísta nascendo em cada um de nós, pois o egoísta suga energia do outro e vive para si mesmo. O individualista parceiro dá um novo significado para as relações e busca a união de dois inteiros e não a aproximação de duas metades, assim respeitando e vivendo a individualidade de ambos.

Por isso, diferentes religiões, crenças, gostos, devem ser respeitados e compreendidos, deve-se ter a capacidade de viver a dois como se vivêssemos sozinhos, pois o saber viver sozinho nos dá dignidade e relações sem traços de domínio e concessões exageradas são mais perfeitas e justas. Somos únicos sempre e somos também as pessoas mais importantes em nosso mundo. Nossa forma de ver o mundo, pensar e agir não são referência para a avaliação de um outro ser, daí a tolerância surgindo e superando traços que nos levam a querer dominar.

A antiga história de “alma gêmea” deve também ser superada, pois acaba sendo apenas uma fantasia que inventamos. Cada um de nós é completo e não deve buscar coisas que não existem no outro. Assim, podemos ser mais compreensivos e tolerantes com as diferenças, respeitar o outro sem querer que ele mude, até pelo fato da mudança, quando esta acontece, poder ser artificial e danosa futuramente. O respeito pelo outro e pela maneira deste ser é vital, pois todos possuem uma maneira de ser própria.

Duas pessoas inteiras conseguem maiores chances de viver uma relação plena, o que é bem mais saudável se comparado ao modelo ”antigo” de relacionamento. Uma pessoa inteira e respeitada não precisa mentir, pode ser ela mesma em tempo integral. Uma pessoa inteira não precisa demonstrar felicidade, ela pode simplesmente sentir.

Não há monstros, fazemos nossas próprias escolhas e somos responsáveis por elas. Há momentos em que cometemos atos e de alguns deles nos arrependemos, mas eles também são de nossa escolha. Somos livres, nascemos livres, e até o fato de não fazermos uma escolha configura em uma escolha.

Segundo Sartre negar a liberdade é, uma tomada de posição covarde, a fim de fugir da angústia da escolha, e achar o repouso e a segurança na confortável ilusão de ser uma essência acabada. Cada ato nos define como somos, podemos agir de modo diferente sempre, pois sempre podemos mudar e fazer outra escolha. Podemos nos transformar indefinidamente. "Simplesmente descobrimos que existimos e temos então de decidir o que fazer de nós mesmos".

Então, devemos e podemos optar pela liberdade de escolher alguém inteiro, não temer monstros e buscar a felicidade. Chega de metades!

“Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não tornar se também um monstro. Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você”. Nietzsche


Tadziu

2 comentários:

Tatis Sales disse...

Gostei muito desse texto, Tadziu. Talvez haja nele mais um exercício para a vida do que uma definição em si; mais uma série de posições que temos a opção de tomar e que, quando tomamos a contrária, nos damos conta de que havia outras.

Guardadas as particularidades de cada relação (óbvio), muito do que está aí é o que deveria ser. DEVERIA, afinal, na hora da raiva eu duvido muito que alguém consiga ser tão equilibrado rs

Também concordo sobre dois inteiros construirem uma relação duradoura, decente e o mais completa possível. Tento ser inteira sempre - e a cada dia mais -, mas aprendi a ser isso quando me encontrei com alguém que sempre foi inteiro. E, neste inteiro, encontrei chão para buscar patamares que eu precisava desenvolver em mim. Eu já tinha a base, mas nunca tinha imaginado que aquela base era só o começo.

Um erro grande é idealizar pessoas, é esperar delas atitudes que partiriam de nós, é culpar o outro pela própria dor. É achar nas atitudes do outro razões para nossa fúria sem saber que nossa fúria nasce em nós, e não precisaria nem nascer; exercício diário isso.

Insisto que relacionar-se é uma arte. Não sei se o que vivo encaixa-se perfeitamente nos 'padrões' (me falta definição melhor, mas tô com pressa rs) de uma relação balanceada com dois inteiros formando um inteiro maior, mas dentro do que busco, estamos no caminho. Não creio em nada eterno, pois mesmo uma relação de muitos anos nunca é a mesma do começo ou do meio, ela decola ou cai. O fato é que sinto que sim, que é uma arte e que é possível relacionar-se dessa forma, e posso dizer que... Não há nada que tenha me tornado uma pessoa melhor tanto quanto esta relação e a minha vontade genuína de crescer.

Beijos, dear.

:))

m. disse...

é impossível ser inteiro pro outro quando não se é pra si. isso está cada vez mais claro pra mim, e, por isso, pelo menos eu tenho me focado na busca de uma completude de mim mesma... e vc está certíssimo, não dá pra cobrar isso dos outros. cansei de patinar nisso, embora me chateie muitas vezes, não posso ceder ao que não me faz bem. acho que o exercício da liberdade passa essencialmente por elegermos prioridades; as escolhas de que vc fala, não as compreendo como "rational choice", mas como escolhas também emotivas, que vêm de dentro, e a gente tem o direito de viver isso, SEM CULPAS.
eis um sinal de maturidade! beijim, m.